Todos os louvores são para Allah.
Dentre os princípios básicos da shari’ah Islâmica que os sábios estão de acordo, é que casos de necessidade fazem coisas proibidas permissíveis.
Existem inúmeras evidências para apoiar este princípio no Alcorão Sagrado e na Sunnah do Profeta, por exemplo, os versículos nos quais Allah diz (interpretação do significado):
“É-vos proibido (para comida) o animal encontrado morto (Al-Maitah – gado – não sacrificado) e o sangue e a carne de porco e o que é imolado com a invocação de outro nome que o de Allah(que foi abatido como sacrifício para outros além de Allah, ou que foi abatido para ídolos); e o animal estrangulado e o que é morto por espancamento e por queda e por chifradas e o que a fera devora, parcialmente - exceto se o imolais (antes de sua morte) - e o que é imolado (sacrificado) sobre as pedras levantadas (An-Nusub), em nome dos ídolos; e é-vos proibido que adivinheis o destino por meio de varinhas da sorte. (Tudo) Isso é perversidade (Fisqun- desobediência a Allah e pecado). - Hoje, os que renegam a Fé se desesperam de aniquilar vossa religião. Então, não os receeis, e receai-Me. Hoje, eu inteirei vossa religião, para vós, e completei Minha graça para convosco e agradei-Me do Islão como religião para vós. - Então, quem é impelido pela fome a alimentar-se do que é proibido, sem intuito de pecar (tal pessoa pode comer estas carnes mencionadas acima), por certo, Allah é Perdoador, Misericordiador”.
[al-Maa’idah 5:3]
“E por que razão não comereis daquilo (carne), sobre o que foi mencionado o nome de Allah(no hora de abater o animal), enquanto, com efeito, Ele vos aclarou o que vos é proibido, exceto aquilo ao qual fostes impelidos pela fome?”
[al-An’am 6:119]
Exemplos deste princípio incluem os seguintes:
1. Comer carne morta para aquele que não consegue encontrar nada mais e teme que morrerá de fome.
2. Proferir palavras de kufr quando sujeito à tortura e força.
3. Afastar um agressor, mesmo que isso leve a matá-lo.
Consulte: al-Ashia’ wa’l-Nazaa’ir de Ibn Nujaim, p. 85.
Necessidade significa casos nos quais a pessoa sofrerá danos caso não escolha a opção haraam, cujo dano influenciará os cinco essenciais que são: religião, vida, honra, razão e riqueza.
Com relação às condições de uma coisa haraam se tornar permissível no caso de necessidade, o Shaikh Muhammad ibn ‘Uthaimin (que Allah tenha misericórdia dele) mencionou duas condições para isso e ele as explicou em pormenores com exemplos, tanto quanto mencionou algumas objeções e a resposta a elas. Por isso, limitaremo-nos a citar suas palavras. Ele (que Allah tenha misericórdia dele) disse:
Este fundamento é um é dos princípios básicos de fiqh que são indicados pela shari’ah: Tudo que é proibido torna-se permitido em caso de necessidade.
Assim, o que é proibido torna-se permitido em caso de necessidade, mas existem duas condições:
A primeira condição:
Devemos ser obrigados a fazer essa coisa haraam específica, o que significa que não conseguimos achar nada com o que suprir aquela necessidade, exceto essa coisa haraam. Se pudermos observar qualquer outra coisa, então isso não se torna permitido, ainda que aquilo possa suprir nossa necessidade.
A segunda condição:
A necessidade deve ser suprida pela coisa haraam; se este não é o caso, então ela permanece haraam. Se não temos certeza se isso suprirá ou não, então ela também permanece haraam. Isso porque fazer algo haraam é definitivamente errado e suprir a necessidade por meio disto é algo sobre o qual há dúvida, então não devemos transgredir fazendo aquilo que é definitivamente haraam pelo bem de alguma coisa sobre a qual existe dúvida.
Daí a decisão varia em relação a um homem faminto que não pode encontrar nada além de carne morta. Neste caso, dizemos: Coma a carne morta. Se ele diz que isto é cometer uma ação haraam, dizemos que ela se tornou permissível pela necessidade, porque ele não possui nada mais para comer além disso e porque se ele comer, suprirá essa necessidade.
Foi dito a um homem: Se você beber álcool, você será curado da doença. Neste caso, dizemos: Não é permitido que você beba álcool, mesmo se te disserem que vai curá-lo da doença. Por que isso?
Em primeiro lugar, porque não há certeza que o álcool irá curá-lo; ele pode bebê-lo e não se curar da doença. Vemos muitas pessoas doentes tomando remédios benéficos dos quais não se beneficiam.
Em segundo lugar, o doente pode se recuperar sem nenhum tratamento, ao colocar sua confiança em Allah e rezar a Ele, e por meio da oração das pessoas (du’a) em sua intenção e assim por diante. Isso é do ponto de vista da razão.
Do ponto de vista da evidência, é narrado em um hadith do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) que ele disse: “Allah não coloca a tua cura naquilo que Ele proibiu para ti.” A racionalidade por trás desse hadith é clara, porque Allah apenas proibiu isso para nós, pois isso nos é prejudicial, então como aquilo que é haraam pode ser uma cura e um remédio?
Portanto é haraam usar coisas haraam como tratamento, como afirmaram os sábios, e não se pode dizer que isso é um caso de necessidade, como algumas pessoas pensam.
Se alguém dissesse que um homem se engasgou, porém ele não tem nada, a não ser um copo de vinho, então é permitido que ele beba esse copo para interromper o sufocamento?
A resposta é sim, porque as duas condições são supridas neste caso. Ele é forçado a usar exatamente esta coisa e temos certeza que a necessidade será satisfeita com isso, então diríamos: Beba o vinho. Mas assim que o engasgo tenha parado, ele deve parar de beber.
Se alguém dissesse que um homem achou certa carne que foi abatida na maneira halal e certa carne de um animal que teve morte natural, ele pode comer a carne morta porque ele é forçado a fazê-lo pela necessidade?
A resposta é que ele não pode fazer isso, porque a necessidade pode ser suprida por alguma outra coisa, assim isso não é permitido porque a primeira condição não é satisfeita.
Se alguém dissesse, estou com sede e não tenho nada, só um copo de vinho; posso bebê-lo?
A resposta é não, como disseram os sábios, porque este não é o caso de necessidade; ao contrário, isso apenas o fará mais sedento, então não há benefício em transgredir e fazer algo haraam, porque a necessidade não será afastada por isso e a segunda condição não é atendida.
Se alguém dissesse: se um doente não tem nenhuma chance, apenas beber sangue como um remédio, é permitido que ele o faça? A resposta é que não é permitido que ele o faça; porque as duas condições não foram supridas. Fim de citação.
Sharh Manzumah Usul al-Fiqh wa Qawaa’idihi (p. 59-61).
E Allah sabe melhor.