Todos os louvores são para Allah.
A Shari’ah é abrangente?
O sistema islâmico de lei (Shari’ah) que Allah, exaltado seja, revelou aos Seus servos cobre tudo o que as pessoas precisam saber em relação ao seu credo, seus atos de adoração e suas interações entre si, porque é a religião final e seu sistema de lei, com o qual o último Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) foi enviado a todas as pessoas. Portanto, não há profeta depois dele e nenhuma lei depois da sua lei. Até mesmo ‘Issa (que a paz esteja sobre ele), quando voltar no fim dos tempos, julgará de acordo com isso.
Aquele que reflete sobre o Alcorão, estuda a Sunnah, e examina os livros de jurisprudência e questões novas, perceberá isso com certeza.
As regras são especificamente mencionadas no texto religioso do Alcorão e da Sunnah – isto é chamado de regras fundamentais (Usul Al-Ahkam), e a maior parte do que as pessoas necessitam pode ser encontrado nestas regras. Ou as regras não são especificamente mencionadas nos textos religiosos, mas o jurista pode descobrir a regra relativa a um assunto examinando outras evidências Shar’i, como os relatos narrados pelos Companheiros, ou analogia (Qiyas) com as regras mencionadas no texto, ou Istis-hab (suposição da continuação de um fato na ausência de prova em contrário), ou Masalih Mursalah (o interesse público), ou ainda a proibição de meios que conduzam ao mal.
Portanto, Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado):
“Dize: Poderia eu anelar outros árbitro que não fosse Allah, quando foi Ele Quem vos revelou o Livro detalhado? Aqueles a quem revelamos o Livro sabem que ele é uma revelação verdadeira, que emana do teu Senhor. Não sejas, pois, dos que duvidam.” [Al-An’am 6:114]
“Temos-te revelado, pois, o Livro, que é uma explanação de tudo…” [An-Nahl 16:89]
Num Hadith é dito: “Não há nenhuma ação que traga uma pessoa para mais perto do paraíso, que eu não vos tenha ordenado, e não há nenhuma ação que traga uma pessoa para mais perto do inferno, que eu não vos tenha proibido. Nenhum de vós deve pensar que sua provisão demora a chegar, pois Jibril me inspirou que qualquer um de vós nunca partirá deste mundo até que tenha recebido sua provisão integralmente. Portanto, teme a Allah, ó povo, e sê moderado na busca de provisões. Se algum de vós pensa que sua provisão demora a chegar, não a procure desobedecendo a Allah, pois a generosidade de Allah não pode ser alcançada desobedecendo-O.” (Narrado por Ibn Abu Shaybah em Al-Musannaf, 34332 e por Al-Hakim em Al-Mustadrak, 2/5; classificado como autêntico por Al-Albani em Sahih At-Targhib wa’t-Tarhib, 1700)
Shaikh Ibn ‘Uthaimin (que Allah tenha misericórdia dele) disse:
As regras islâmicas podem ser divididas em duas categorias:
- [A primeira categoria] é aquela que o Legislador [Allah] mencionou em termos específicos nos textos religiosos, como os versos,
“Estão-vos vedados: a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a invocação de outronome que não seja Allah…” [Al-Ma’idah 5:3]
“Porém, fora do mencionado, está-vos permitido…” [An-Nissa’ 4:24] – isto se refere a mulheres que têm permissão para se casar.
E há muitos exemplos disso.
- A segunda categoria é aquela que não é mencionada em termos específicos nos textos; em vez disso, é mencionada nas diretrizes gerais dos ensinamentos islâmicos e nas evidências Shar’i gerais. Isto porque o sistema jurídico islâmico é abrangente e cobre tudo, mas não é possível mencionar todas as questões especificamente nos textos, pois isso exigiria muitos volumes que nenhum veículo poderia transportar.
Mas existem diretrizes gerais e básicas com as quais Allah abençoa quem Ele quiser dentre Seus servos, para que sejam capazes de encontrar respostas para outras questões menores por meio de diretrizes e regras gerais, tais como: “Não deve haver dano, nem dano recíproco”, por exemplo. Embora existam algumas reservas sobre a solidez do hadith, os princípios básicos do Islam testemunham a solidez do seu significado. Este princípio geral poderia abranger milhares de questões em que há danos e milhares de questões em que há danos recíprocos, sem ter de mencionar cada questão pelo nome.
Por exemplo, na época do califa ‘Umar ibn Al-Khattab (que Allah esteja satisfeito com ele), houve uma disputa entre dois homens. Um deles possuía dois terrenos, entre os quais havia um terreno pertencente a outro homem. O proprietário dos dois terrenos queria deixar a água fluir através do pedaço de terra do outro homem para chegar ao seu segundo pedaço de terra. Mas o dono daquela terra recusou e disse: ‘tu não podes deixar a água correr pela minha terra’. O assunto foi encaminhado ao califa ‘Umar ibn Al-Khattab (que Allah esteja satisfeito com ele), e ele determinou que a água deveria fluir através da terra daquele homem, quer ele gostasse ou não. Ele disse: “certamente deixarei fluir, mesmo que flua pela sua barriga – ou pelas suas costas – porque esse vizinho que se recusou a deixar a água correr pela sua terra só queria prejudicá-lo com isso, caso contrário, há algo que serviria aos interesses dele”, o que significa que ele poderia se beneficiar com o plantio de árvores ou culturas devido a esta água que fluiria através de sua terra, isto é algo que serve aos interesses de ambas as partes. (Liqa’ Al-Bab Al-Maftuh 18/122)
Pode-se entender, pelos versículos que citamos, que o Alcorão – por si só – contém explicações detalhadas para tudo o que as pessoas precisam. Os estudiosos responderam isso de duas maneiras:
- O Alcorão indica que a Sunnah, o consenso acadêmico (Ijma’) e a analogia (Qiyas) constituem prova sólida. Portanto, pode-se afirmar corretamente que tudo o que é estabelecido com base nestas provas é mencionado no Alcorão.
- O próprio Alcorão inclui uma explicação dessa questão de uma forma ou de outra, mesmo que isso seja em virtude do fato de que as coisas devem ser consideradas permissíveis em alguns casos.
Embora, nesta discussão, não queiramos provar que todas as regras são mencionadas no Alcorão – pelo contrário, o nosso objetivo é provar que a Shari’ah, com as suas fontes que são reconhecidas como tal, pode produzir regras sobre todas as questões – vale a pena mencionar o que foi confirmado por Ar-Razi (que Allah tenha misericórdia dele) em relação ao segundo argumento, depois de notar que o primeiro argumento é a opinião da maioria dos juristas.
Ar-Razi (que Allah tenha misericórdia dele) disse:
“No que diz respeito à sua opinião de que este Livro não contém todas as regras relacionadas com questões fundamentais e menores, dizemos: Quanto às questões fundamentais, todas podem ser encontradas no Alcorão, porque estes fundamentos são mencionados nele da maneira mais eloquente.
Sobre os vários pontos de vista dos Madhhabs e aos detalhes desses diferentes pontos de vista, não há necessidade disso.
Quanto à discussão detalhada das questões menores, dizemos: Os estudiosos têm duas opiniões sobre isso.
1- A primeira visão: eles dizem que o Alcorão indica que Ijma’ (consenso acadêmico), relatos Ahad e Qiyas (analogia) devem ser considerados como evidência na Shari’ah, então tudo o que for provado com base nessas três provas é, na realidade, comprovado pelo Alcorão.
Al-Wahidi (que Allah tenha misericórdia dele) deu três exemplos disso:
- O primeiro exemplo: Foi narrado que Ibn Mas’ud (que Allah esteja satisfeito com ele) costumava dizer: Por que eu não deveria amaldiçoar aqueles a quem Allah amaldiçoou em Seu Livro, ou seja, a mulher que faz tatuagens e aquela em quem as tatuagens são feitas; a mulher que faz extensões de cabelo e a mulher em quem são feitas extensões de cabelo? E foi narrado que uma mulher leu o Alcorão inteiro, então ela veio até ele e disse: Ó Ibn Umm ‘Abd, ontem eu li o Alcorão de capa a capa, e não encontrei nele nenhuma maldição da mulher que o faz tatuagens e a mulher em quem são feitas. Ele (que Allah esteja satisfeito com ele) disse: Se tu tivesses lido, tu terias encontrado. Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado): “Aceitai, pois, o que vos der o Mensageiro…” [An-Nashr 59:7]
E uma das coisas que o Mensageiro de Allah nos trouxe foi: “Que Allah amaldiçoe a mulher que faz tatuagens e a mulher em quem são feitas tatuagens.”
Eu digo: É possível encontrar a regra sobre esta questão no Livro de Allah em um versículo que deixa isso mais claro, porque Allah, exaltado seja, diz na Surat An-Nissa’:
“… e, com isso invocam o rebelde Satanás, que Allah amaldiçoou.” [An-Nissa’ 4:117-118]
Assim, Allah o amaldiçoou, então Ele listou alguns de seus atos abomináveis, entre os quais Ele mencionou:
“Ordenar-lhes-ei a desfigurar a criação de Allah…” [An-Nisa’ 4:119]
O significado aparente deste versículo indica que mudar a criação de Allah levará à maldição.
- O segundo exemplo. Foi narrado que Ash-Shafi’i (que Allah tenha misericórdia dele) estava sentado em Al-Masjid Al-Haram, e disse: Tu não me perguntarás nada, mas eu te darei uma resposta para isto do Livro de Allah, exaltado seja. Então um homem disse: O que tu dizes sobre um peregrino em Ihram que mata uma vespa?
Ele respondeu: Ele não precisa fazer nada [como expiação]. O homem disse: Onde está isso no Livro de Allah? Ele disse: Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado):
“Aceitai, pois, o que vos der o Mensageiro…” [An-Nashr 59:7]
Então, ele mencionou um relato, com um Isnad [cadeia de narração] que remonta ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele): “Tu deves aderir à minha Sunnah e ao caminho dos Califas Corretamente Guiados que vêm depois de mim.” Em seguida, ele mencionou, com uma cadeia de narração que remonta a ‘Umar (que Allah esteja satisfeito com ele): O peregrino em Ihram pode matar uma vespa.
Al-Wahidi (que Allah tenha misericórdia dele) disse: Assim, ele deu uma resposta citando o Livro de Allah e derivando esta regra em três níveis de narração.
Eu digo: há outra maneira mais clara de comprovar isso, a princípio, a riqueza dos muçulmanos está protegida. Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado):
“Beneficiar-se-á com o bem quem o tiver feito e sofrerá mal quem o tiver cometido…” [Al-Baqarah 2:286]
“Sem vos exigir nada dos vossos bens…” [Muhammad 47:36]
“Não consumais reciprocamente os vossos bens, por vaidades, realizai comércio de mútuo consentimento…” [An-Nissa’ 4:29]
Assim, Allah proíbe o consumo da riqueza das pessoas, exceto através do comércio. Então, quando não há comércio, isso significa que continua proibido [consumir a riqueza das pessoas]. Estas regras gerais determinam que não deve haver qualquer penalidade para o peregrino que mata uma vespa, e isso porque aderir ao significado geral destes princípios dita que esta deve ser a regra.
- O terceiro exemplo. Al-Wahidi (que Allah tenha misericórdia dele) disse: Foi narrado no hadith sobre o trabalhador contratado que cometeu Zina que seu pai disse ao Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele): Julga entre nós de acordo com o Livro de Allah.
Então, ele (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: “Por Aquele em Cujas mãos está minha alma, certamente julgarei entre vós de acordo com o Livro de Allah.” Assim, ele determinou que o trabalhador contratado deveria ser açoitado e banido, e que a mulher deveria ser apedrejada se admitisse culpa.
Al-Wahidi (que Allah tenha misericórdia dele) disse: Açoitamento e banimento não são mencionados no texto do Alcorão. Isto indica que qualquer decisão dada pelo Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) é essencialmente a mesma que está no Livro de Allah.
Eu digo: Este exemplo está correto, porque Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado):
“Enviamo-los) com as evidências e os Salmos. E a ti revelamos a Mensagem, para que elucides os humanos…” [An-Nahl 16:44]
Tudo o que o Mensageiro (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) explicou e deixou claro está incluído no significado deste versículo.
A partir destes exemplos, está comprovado que, como o Alcorão indica que ijma’ (consenso acadêmico) constitui prova, e que o relato Ahad constitui prova, e que qiyas (analogia) constitui prova, toda regra que é estabelecida através de uma dessas três maneiras é, de fato, comprovada pelo Alcorão. Desta forma podemos compreender as palavras de Allah:
“Nada omitimos no Livro…” [Al-An’am 6:38]
Esta é a forma de entender este versículo, e esta interpretação é apoiada pela maioria dos juristas…
2- A segunda opinião em relação ao significado deste versículo é a daqueles que dizem que o Alcorão sozinho é suficiente e todas as regras podem ser encontradas nele.
A maneira de explicar isto é observar que, em princípio, todos são livres de obrigações e que para qualquer obrigação deve haver evidências separadas. Mencionar em textos específicos as categorias onde não há obrigação é impossível, porque as categorias em que não há obrigação são ilimitadas, e mencionar em textos específicos aquilo que é ilimitado não é possível. Pelo contrário, mencionar em textos específicos só é possível no caso daquilo que é finito.
Por exemplo, existem milhares de obrigações que Allah impôs às pessoas; Ele as mencionou no Alcorão e instruiu Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) a transmitir esses milhares às pessoas. Então, depois disso, Ele disse:
“Nada omitimos no Livro…” [Al-An’am 6:38]
Assim, o que isso significa é que não há outra obrigação que Allah nos tenha imposto depois desses milhares. Ele confirmou isso nos versículos:
“Hoje, completei a religião para vós…” [Al-Ma’idah 5:3]
“… não há um só grão, no seio da terra, ou nada verde, ou seco, que não esteja registrado no Livro lúcido.” [Al-An’am 6:59]
Esta é a explicação da visão dessas pessoas. Uma discussão mais aprofundada deste assunto pode ser encontrada nos livros de Usul Al-fiqh (os fundamentos da jurisprudência). E Allah sabe mais.” (Tafsir Ar-Razi 12/527).
Observação:
A visão correta sobre o versículo em que Allah, exaltado seja, diz: “Nada omitimos no Livro…” [Al-An’am 6:38] é que o que por “Livro” é indicado Al-Lawh Al-Mahfuz, no qual Allah, exaltado seja, escreveu os decretos de Sua criação. Isto é o que é narrado por ‘Abdullah ibn ‘Abbas (que Allah esteja satisfeito com ele) em seu comentário sobre este versículo.
Mas, um versículo melhor para citar como evidência neste contexto é o versículo em que Allah, exaltado seja, diz:
“Temos-te revelado, pois, o Livro, que é uma explanação de tudo…” [An-Nahl 16:89]
Veja: Tafsir Ibn Jarir (9/234); Tafsir Ibn Kathir (3/253); As-Sa’di (pág. 255).
Fiqh das questões contemporâneas
Se surgir uma questão nova sobre a qual não haja menção clara no Livro de Allah, exaltado seja, ou na Sunnah de Seu Mensageiro (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) – como no caso de alguns problemas médicos e questões econômicas, como: inseminação artificial, engenharia genética e negociação de criptomoedas, por exemplo – então, os estudiosos estudam e se esforçam para encontrar uma regra sobre o assunto, por meio de analogia e derivando decisões embasadas, ou aplicando as diretrizes gerais da Shari’ah, levando em consideração os objetivos da Shari’ah.
Não importa qual seja a questão, é possível para estes estudiosos elaborarem a regra Shar’i, mesmo se referindo a alguns dos princípios básicos, porque há coisas que são, em princípio, permitidas ou proibidas, se não houver provas que sugiram o contrário. Por isso, não é possível que possa haver qualquer questão para a qual não haja regra na Shari’ah Islâmica.
Para obter mais informações, consulte: Tafsir Adwa’ Al-Bayan de Ash-Shinqiti, sobre o versículo “Em verdade, este Alcorão encaminha à senda mais reta…” [Al-Isra’ 17:9]
Concluindo, o sistema jurídico islâmico (Shari’ah) fornece tudo o que as pessoas necessitam quanto às regras sobre todos os seus assuntos, porque é o sistema final da lei, a religião perfeita e completa, como Allah, exaltado seja, diz (interpretação do significado):
“Hoje, eu inteirei vossa religião, para vós, e completei Minha graça para convosco e agradei-Me do Islam como religião para vós…” [Al-Ma’idah 5:3]
E Allah sabe mais.